ENTREVISTAS

Entrevista 01 - Professora Doutora Vania Dutra


1-      Como você avalia o ensino da Redação nas escolas públicas do Rio de Janeiro hoje?
Minha avaliação sobre o tema baseia-se na experiência que tenho no ensino básico – segundo segmento do Ensino Fundamental e Ensino médio –, como professora e como coordenadora de Língua Portuguesa; no ensino superior, como coordenadora, professora e orientadora de monografias do Curso de Especialização em Língua Portuguesa do Instituto de Letras da UERJ – que tem, como alunos, professores de Língua Portuguesa das redes pública e particular do Rio de Janeiro –; e como banca de elaboração e de avaliação das provas de Língua Portuguesa Instrumental com Redação do Vestibular da UERJ.
No que diz respeito às escolas públicas no Rio de Janeiro, posso dizer que o trabalho com a produção de textos, no dia a dia da escola, é quase inexistente.
Respeitando-se as exceções, que certamente há, quando se propõe aos alunos a escrita de textos, isso se dá com base na proposta apresentada pelo livro didático. Não há uma discussão de temas que surjam do interesse do próprio grupo ou que sejam suscitados por acontecimentos presentes na mídia. Muitas vezes, não há discussão alguma. Assim, a escrita de textos é apenas mais um exercício mecânico e pouco interessante para o aluno.
Quanto à avaliação do texto produzido, pode-se dizer que o professor corrige, dá uma nota e o processo termina por aí. O aluno não se interessa por analisar as intervenções do professor em seu texto, aceitando seu julgamento e convencendo-se, quase sempre, de que não tem mesmo aptidão para a escrita. O professor, muitas vezes, não sabe que é no processo de revisão do texto pelo próprio aluno – com sua supervisão, claro – que as estruturas da norma padrão serão assimiladas de fato. Eis a verdadeira aula de gramática.
A revisão do texto é uma importante etapa da produção do texto pelo aluno. Ela deve acontecer alguns dias depois da primeira produção, para que ao aluno tenha o distanciamento necessário para ler seu próprio texto, agora com olhos de leitor, não mais com olhos de autor. Só então o texto será avaliado pelo professor, que poderá atribuir-lhe uma nota ou conceito.
No rastro do que propõem os PCN de Língua Portuguesa, é preciso trabalhar com as noções de gênero textual (carta, relatório, conto, crônica, texto de opinião etc.) e sequência textual (narrativa, descritiva, argumentativa etc.). Quando se faz uma proposta de escrita, é necessário que se esclareça qual o gênero textual e qual o tipo de texto solicitados (se predominantemente narrativo, argumentativo). O aluno precisa ter clareza sobre o que se espera dele.
Alguns dirão que a escola pública hoje já não é mais assim, que os professores têm tido acesso a propostas inovadoras e que o trabalho em sala de aula já é outro.
Poucas são as escolas públicas e poucos são os professores de escolas públicas que têm acesso a esse e a outros conhecimentos, e às propostas pedagógicas mais modernas, que se baseiam no conhecimento produzido pela academia. À exceção das grandes escolas, como o Pedro II, os CAP e algumas outras instituições públicas – a que um percentual muito pequeno da população tem acesso –, que investem em seus professores, as iniciativas, nas escolas das redes estaduais e municipais, são individuais, pessoais mesmo. São professores que procuram cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação, mas que, ao retornarem a suas escolas, não encontram o apoio necessário para aplicar, em seu dia a dia na sala de aula,o que aprenderam de novo.
Enfim, o aluno da escola pública, de uma forma geral, quase não escreve, e, quando o faz, não o faz como parte de um planejamento pedagógico que prevê etapas de aprendizagem, com objetivos específicos e com o monitoramento do professor, que planejará o próximo passo com base nos resultados observados nas produções de texto avaliadas. Normalmente, quando uma proposta de escrita é apresentada, ela é o cumprimento de uma das etapas do trabalho, completamente desvinculada das demais – leitura e gramática.
Mas só se aprende a escrever, escrevendo. E os alunos da escola pública escrevem muito pouco.
A atividade de escrita não se encerra no próprio ato de escrever, como já mencionei. É preciso que o aluno analise o que escreveu, avaliando, juntamente com o professor, se seu texto está de acordo com a proposta feita e com a variedade de língua exigida pelo gênero – geralmente, a norma padrão.
E só se ensina a escrever, valorizando-se a escrita: propondo, discutindo, acompanhando a produção, orientando, monitorando a revisão do texto pelo aluno, buscando sempre fazer com que ele vença etapas cada vez mais avançadas da escrita. Mas os professores das escolas públicas, de uma forma geral, não têm o conhecimento, a infraestrutura e o apoio necessários para realizar um ensino diferente daquele que ministram.

2-      Sabemos que há muita disparidade entre o ensino público e o particular. Qual a principal diferença específica do ensino da Redação?
Assim como há escolas públicas diferentes em termos de qualidade, há também escolas particulares diferentes. Considerando-se as boas escolas públicas e as boas escolas particulares, no que diz respeito ao trabalho com a produção de textos, posso dizer que, geralmente, as escolas particulares desenvolvem um trabalho mais voltado para os concursos, principalmente para o concurso vestibular. A escola pública, pelo menos em sua filosofia, pretende formar um cidadão que leia e que escreva para a vida, de uma forma mais geral, não especificamente para fazer uma prova que lhe permitirá entrar na faculdade.
Assim, o trabalho da escola particular se dá com base em supostas regras de escrita que funcionam como verdadeiras “fórmulas” para se escrever um texto que, acredita-se, seja o desejado pela banca do concurso. Além disso, pratica-se a escrita partindo-se de provas de concursos anteriores, como se cada instituição tivesse um modelo rígido repaginado, a cada ano, com um nova temática.
Os próprios professores têm concepções destorcidas, ou mesmo equivocadas, sobre o que se espera de um candidato a uma vaga na Universidade. Isso cria mitos em torno da escrita, do vestibular e dos profissionais do ensino que se “eternizam” como professores de redação, principalmente em cursinhos pré-vestibulares.
Isso tudo é consequência da política educacional que temos hoje, resultado da sociedade capitalista em que vivemos. A escola pública normalmente não sofre a pressão por que passa a escola particular, que é cobrada em relação ao número de alunos aprovados nas grandes universidades. Talvez por isso a escola pública não se veja impelida a agir da mesma forma, nem as grandes escolas nem as mais modestas.

3-      Qual a melhor estratégia didática para melhorar a capacidade redacional dos alunos, candidatos ao concurso Vestibular?
Muito do que já disse pode indicar um caminho. Entretanto, mais objetivamente:
1-      nosso aluno precisa ler mais, ler gêneros textuais diversificados – é preciso que esteja bem informado, que tenha o que dizer;
2-      as leituras precisam ser compartilhadas, com a turma e com o professor, discutindo-se profundamente os temas – é preciso que o aluno conheça facetas diferentes de uma mesma questão, para que forme sua opinião e para que conheça argumentos possíveis contra a posição que assumirá em seu texto;
3-      é preciso se ater ao tema e ao gênero proposto, para que o aluno não corra o risco de ter seu texto desconsiderado no processo de avaliação;
4-      o evento da escrita, na escola, deve ser rotineiro e não esporádico;
5-       a escrita não deve ser considerada finalizada antes de o aluno proceder à revisão de seu texto;
6-      essa revisão deve se dar tendo como parâmetros os critérios normalmente observados pelos avaliadores das bancas de correção dos vestibulares: adequação ao tema, adequação ao gênero textual solicitado, coerência, coesão e modalidade escrita padrão da língua (ortografia, pontuação, seleção vocabular, concordância etc.);
7-      os mesmos parâmetros de correção devem ser usados pelo professor, que deve ser o segundo revisor do texto do aluno.

4-      Todos os alunos trazem muitas dúvidas sobre como escrever bem para tirar boa nota no exame Vestibular. As principais dúvidas são atinentes a instruções equivocadas que recebem ao longo de suas vidas escolares. Os alunos querem saber:
a)      O título pode ter verbo?
Pode. Ele precisa ser adequado ao texto escrito e funcionar, se possível, como um elemento que contribui para o texto, não como somente uma etiqueta, que não faria falta se ali não estivesse.
b)      Os alunos podem escrever seus textos com letra de forma?
Podem. A não ser que essa proibição esteja claramente colocada nas instruções presentes na prova. O importante é escrever com letra legível, pois, num processo de correção de massa, não se pode contar com a boa vontade do avaliador para decifrar garatujas. Evita-se, assim, a desqualificação do texto.
c)       Pode-se escrever a dissertação em primeira pessoa do singular?
Sim, é possível que se escreva em primeira pessoa do singular.
d)      Se a resposta anterior for positiva, qual a forma correta para esse tipo de escritura?
A opção pelo ponto de vista adotado no texto, pelo aluno, dependerá da proposta de escrita que se apresente na prova.
Se a proposta sugere uma visão objetiva do tema, é mais adequado que se opte pela terceira pessoa (“As autoridades...”), pela indeterminação do sujeito (“Permitiram que...”), pela voz passiva sem referência ao agente (“Diz-se que...”, “Tudo foi planejado...”) – afastando a responsabilidade do que se diz do autor do texto –, ou pela primeira pessoa do plural (“Acreditamos que...”) – dividindo-se a responsabilidade do que se diz com a coletividade, como se o dito representasse o pensamento da maioria).
Se a proposta pressupõe uma certa subjetividade, ou seja, se o aluno é chamado a opinar sobre o tema, abre-se a possibilidade para a primeira pessoa do singular, para que o aluno apresente seus argumentos pessoais, suas crenças, sua ideologia.

e)      O aluno, para provar sua tese ou torná-la válida, pode criar dados estatísticos ou quaisquer outras evidências de provas, fazendo com que tenham semelhança com a realidade?
As evidências, como dados estatísticos, citações entre aspas etc., podem ser consideradas inadequadas e até mesmo incoerências localizadas, pois não podem ser comprovadas pelo avaliador. Fazer uso desse tipo de informação só é aconselhável quando ela está disponibilizada na coletânea de textos que normalmente acompanha a prova.

f)       Pode-se usar linguagem figurada em algum trecho da redação?
Sim, desde que de forma contextualizada e de forma que contribua para a argumentação. Deve-se ter cuidado com os excessos, que podem “pesar” no texto.

g)      O aluno que quiser criar um contexto para sua argumentação pode iniciar a redação com uma pequena narrativa para depois ligá-la à sua tese e, a partir de então, defendê-la?
Pode-se não só iniciar, mas apresentar uma sequência narrativa no decorrer do texto, com o propósito de contribuir para a argumentação. É preciso, entretanto, cuidar para que o segmento narrativo não se sobreponha ao argumentativo, em importância e extensão. Em um texto argumentativo, devem-se priorizar os argumentos e a conclusão a que se chega com base neles.

h)      Podem-se usar expressões “carimbos” como “sabe-se que..”, “é notório que...” e semelhantes? Isso não afasta a redação do princípio da autoria?
O que afasta a redação do aluno do princípio da autoria é a obediência a uma fórmula, a um modelo pré-determinado, que aprisiona suas ideias em uma “camisa de força”.
A redação de vestibular não está obrigada a ter três parágrafos somente, a começar com “Sabe-se que...”, “É notório que...” e a terminar com um parágrafo iniciado pela expressão “Por tudo isso...” ou “Com base no que foi discutido...”. Isso torna o texto artificial, e o avaliador tem a nítida impressão de que ele veio “pronto”, tendo sido somente adaptado ao tema específico.
A presença dessas expressões chamadas “carimbo” não são um problema quando são empregadas em um texto autêntico, em um texto que o próprio aluno planejou, no momento da escrita, com base no tema solicitado. Mas é preciso não abusar delas.

i)        Desvaloriza-se a redação que, apesar de bem desenvolvida e escrita em norma padrão, apresentar expressões como “na minha opinião”, “eu acho”  e “eu penso”?
Retoma-se aqui a discussão sobre o uso da primeira pessoa do singular. Se a proposta dá margem a isso, não há problemas. No entanto, essas expressões específicas, que sugerem um posicionamento pessoal, podem, na concepção do avaliador, tornar o texto muito subjetivo ou demonstrar certa insegurança do autor em relação ao que discute.
Se, entretanto, a proposta pede um posicionamento pessoal, e o aluno demonstra convicção sobre ele, esse tipo de expressão será bem-vindo. Mas é importante não sobrecarregar o texto com elas.

j)        Você pode explicar, em linhas gerais, o que é mais valorizado num texto argumentativo deste gênero tão específico que é a redação de vestibular?
O que se costuma valorizar na avaliação das redações de vestibular são a clareza, a objetividade e a correção da escrita. Mas, para que se possam avaliar esses itens, é preciso que as redações correspondam ao que foi solicitado na proposta em relação ao tema e ao gênero específicos do texto.

k)      Você gostaria de dar algum depoimento que julgue interessante sobre o trabalho de correção das redações no Vestibular?
Como coordenadora, por quase dez anos, do processo de correção de um vestibular que trabalha com um número de avaliadores em torno de duzentos e com um universo de textos de cinquenta mil para serem avaliados, posso afirmar que, apesar de nossos esforços, não há como garantir objetividade absoluta. Sempre haverá uma margem de subjetividade por parte dos avaliadores que nenhuma grade de correção jamais dará conta de eliminar. Isso é normal, costuma ser considerado pelos professores-avaliadores quando nos preparamos para o trabalho, antes do início do processo de avaliação das provas, e não compromete o resultado da avaliação.